Mamífero que bota ovos da Nova Guiné intriga os cientistas
Equidna é difícil de achar, mas fácil de apreciar.
Pesquisador se dedica a desvendar mistérios dessa criatura.
Ao
se testar no limite mais extremo da tolerância humana, você poderia
considerar uma ultra-maratona, ou uma travessia do Atlântico numa canoa,
ou ser indicado à Suprema Corte dos Estados Unidos.
Você poderia ainda tentar estudar a
equidna de focinho longo, um dos mamíferos mais antigos, raros, tímidos,
de aparência mais tola da terra, e mesmo assim, um dos mais iluminados.
Muse Opiang trabalhava como responsável
de um campo de pesquisas quando foi dominado por uma paixão pela equidna
de focinho longo, ou Zaglossus bartoni, animal encontrado somente nas
florestas tropicais da Nova Guiné e espalhado pelas ilhas adjacentes.
Ele as havia visto uma ou duas vezes, em cativeiro ou em fotos –
criaturas rechonchudas, do tamanho de um terrier, com traços tão
misturados de ave, toupeira, porco, tartaruga e escova de limpar botas
que, se não fossem reais, ninguém pensaria em inventá-las no Photoshop.
Ele sabia que o efeito mosaico não era
simplesmente uma piada visual: um dos três tipos sobreviventes do grupo
de mamíferos que põem ovos, chamados de monotremados, as equidnas são,
por um lado, uma verdadeira ligação viva entre répteis e pássaros, e por
outro, mamíferos de placenta mais familiares, como nós.
Opiang também sabia que, embora membros
dos dois outros gêneros monotremados, o ornitorrinco e a equidna de
focinho curto, sejam estudados há anos – no último mês de maio, todo o
código genético do ornitorrinco foi publicado com grande festa –, a vida
da equidna de focinho longo permaneceu obscura e desconhecida.
“Não sabíamos nada sobre o animal”, disse
ele numa entrevista por telefone. “Cientistas haviam escrito que ele
seria impossível de estudar”, continuou, acrescentando com uma risada,
“Levei isso como um desafio”.
Numa recente edição da publicação "The
Journal of Mammalogy", Opiang oferece o primeiro vislumbre da história
natural e ecológica de um animal noturno imaculadamente privado com um
cérebro surpreendentemente desenvolvido. Embora o relato de Opiang
mostre que os céticos estavam tecnicamente errados, os cansativos
detalhes de seus métodos de campo sugerem que, como regra do dia a dia, a
definição “impossível de estudar” classifica muito bem o Zaglossus.
“Muse tem uma perseverança
impressionante”, disse Debra Wright, conselheira da tese de Opiang. “Não
creio que qualquer outra pessoa da terra poderia ter feito o que ele
fez”.
Missão impossível
Os estudos e pesquisas de Opiang foram
inicialmente patrocinados pela Wildlife Conservation Society, do
Zoológico do Bronx, mas Opiang, que pronuncia seu primeiro nome “mussei”
e hoje trabalha em seu doutorado através da Universidade da Tasmânia,
desde então fundou sua própria organização, o Instituto de Pesquisa
Biológica Papua Nova Guiné.
Reprodutivamente, os monotremados são
como um aparelho de vídeo-cassete e DVD, a personificação de uma
tecnologia em transição. Eles põem ovos duros, assim como os répteis,
mas alimentam seus filhotes com leite – através de glândulas espalhadas
pelo peito, ao invés de mamilos –, algumas vezes tão enriquecido com
ferro que parece cor-de-rosa.
A determinação do sexo nos monotremados
também tem sua atração. Na maioria dos mamíferos, um único grupo de
cromossomos XX significa uma menina, e um grupo XY especifica um menino.
Por razões que permanecem misteriosas, monotremados possuem grupos
múltiplos de cromossomos sexuais, quatro ou mais pares manifestados de
XXs e XYs, ou algo diferente no geral: alguns desses cromossomos extras
parecem suspeitosamente do tipo dos pássaros. Outra característica
aviária é a cloaca, o orifício único por onde uma equidna ou
ornitorrinco defeca, faz sexo e põe ovos, e pelo qual o grupo recebe seu
nome. Através do mesmo orifício, um equidna macho retira um pênis de
quatro cabeças.
Como quer que o façam, os monotremados
conduzem seus assuntos impressionantemente bem. Eles não apenas são o
mais antigo grupo mamífero sobrevivente, mas também vivem 50 anos ou
mais. A Dra. Peggy Rismiller, da Universidade de Adelaide, estuda a
equidna de focinho curto, ou tamanduá espinhento, desde 1988. “Uma das
fêmeas que estivemos rastreando, via rádio, desde 1988, tem pelo menos
45 anos, e ainda se reproduz”, disse.
A pesquisadora também apontou que
equidnas de focinho curto são os mamíferos de distribuição mais ampla da
Austrália, adaptando-se à vida em desertos, ao longo da costa, em
florestas tropicais, acima da linha da neve, sempre se alimentando de
qualquer invertebrado que consigam desenterrar. Mesmo no verão, elas
mantêm sua temperatura interna em torno de 31 graus centígrados. Numa
noite de inverno podem cair em torpor, com o termostato corporal podendo
chegar a quatro graus – uma habilidade criogênica de grande interesse
tanto a cirurgiões quanto a entusiastas espaciais.
As equidnas se mantêm frescas e calmas,
com certeza. “Elas são um dos mamíferos mais pacíficos”, disse
Rismiller. “Ninguém as incomoda; elas não incomodam ninguém. Poderíamos
aprender muito com elas”. Naquela plana cabeça vive um cérebro poderoso.
Entre humanos, o neocórtex, que nos permite pensar e lembrar,
corresponde a 30% do cérebro; nas equidnas, a proporção é de 50%.
Se ao menos elas pudessem nos ensinar. As
equidnas de focinho curto aturam os humanos, ainda que relutantemente,
mas conforme Opiang aprendeu, a espécie de focinho longo da Nova Guiné
foge de qualquer sinal de habitação humana – talvez porque, tendo o
dobro do tamanho da equidna de focinho curto, ela seja apreciada como
carne por caçadores locais e seus cachorros. “Elas não são atraídas para
iscas”, disse ele. “Você não consegue capturá-las com armadilhas para
classificação”.
Para chegar a elas, é preciso caminhar
por muitos quilômetros adentro das terras altas, através de perigosas
escarpas e terrenos escorregadios, onde chove cerca de 275 polegadas por
ano. “É um dos locais mais úmidos da terra”, explicou Wright.
A chuva também apaga sinais de equidnas
caçando ou se escondendo. Opiang consumiu meses de pesquisa antes de
encontrar sua primeira equidna. Então, descobriu que se seguisse os
rastros de buracos recentes à noite – os buracos feitos pelas equidnas
com seus focinhos enquanto procuram minhocas –, poderia encontrar uma
toca onde um desses animais estaria escondido. Ele aprendeu a pegá-las
por debaixo do estômago, onde não há espinhos. “Se você as segurar
contra seu corpo, elas ficam amigáveis e não lutam”, disse.
Ao longo de cinco anos, ele conseguiu
capturar, medir e, na maior parte das vezes, prender transmissores de
rádio, em 22 espécimes. Entre suas intrigantes descobertas iniciais: ao
contrário da maioria dos mamíferos, as fêmeas são maiores que os machos,
e o focinho tubular, sem pêlos ou dentes, através do qual elas lançam
suas compridas línguas, também é mais longo.
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